Portus 87
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JOÃO NUNO, EM SEVILHA, A REPRESENTAR O PORTUS87 ...

 

Não há muitas coisas que me deixem sem palavras. Mas não é fácil, mesmo hoje, dois dias passados, falar da final da Taça Uefa.

Uma coisa consigo dizer: sinto-me o mais sortudo dos homens por lá ter estado.

São estes jogos que fazer valer a pena ser adepto de futebol e ir ao estádio. Mesmo que saibamos o risco que corremos. E desta vez esse risco foi bem real. Houve mesmo alturas de um sofrimento quase inqualificável. Mas isso de certeza que podem imaginar.

Vamos ao que interessa.

 Cheguei ao Estádio Olímpico umas duas horas antes do início do jogo. Depois de um dia passado em Sevilha a beber e tapear, sempre com milhares de escoceses por perto - eles eram realmente muitos e estavam por todo lado. Calcula-se que tenham estado na capital andaluza para este jogo qualquer coisa como 100 mil pessoas (o que numa cidade 600 ou 700 mil faz diferença), sendo que cerca de 80 mil eram adeptos do Celtic. Destes, apenas 30 mil tinham bilhete...Eles portaram-se bem, foram quase sempre simpáticos, embora se percebesse que, tal como se dizia dos portugueses (e com razão) estavam muito confiantes na vitória da sua equipa. Mas se calhar esse é mesmo o papel do adepto...

A temperatura foi durante o dia verdadeiramente escaldante, chegando aos 40 graus. Talvez por isso era impossível fugir à tentação de emborcar umas cañas valentes. Isso acabou por contribuir para um excelente ambiente geral, até porque os escoceses são especialistas neste desporto de levantar copos, faça sol, frio ou chuva...

Foram-se multiplicando os contactos e saudações entre adeptos, sempre com boa disposição e depressa arranjei o meu cumprimento da praxe: good luck...for tomorrow!. E eles estranhavam de início e riam-se depois...Um deles disse-me que iam ganhar de certeza porque estavam lá muitos mais do que nós e que ainda por cima tinham o apoio dos escoceses, dos irlandeses, dos ingleses, etc, etc. Perguntei-lhe se esses gajos iam todos jogar, ou se iam ser só 11 contra 11.

Claro que os portistas encheram a sua parte do estádio (mais ou menos um terço ou mesmo um quarto do total) muito antes dos de Glasgow, que ficaram a acabar com os stocks de cerveja dos bares da cidade, que importante será dizer recebeu muito bem os visitantes, que por sua vez souberam merecer tal hospitalidade.

Desde bem cedo se notou entre os portistas uma maior propensão para fazer barulho no apoio à equipa do que é habitual nas Antas - todos tinham a noção de estar a viver um momento único.

A tensão emocional ia aumentando conforme se aproximava a hora de começar o jogo. Os diferentes espectáculos e entretenimentos iam distraindo mas os nervos não acalmavam. Muita ansiedade se sentia no ar...

Ao meu lado um senhor de idade que estivera em Basileia, Viena, Amsterdam e Tóquio, falava desses dias e pareceu-me bom sinal ter um espécime assim ao lado. Mas depois, umas horas depois, durante o jogo, quando o vi ficar à beira de um colapso achei o contrário. 

Só poucos minutos antes da partida começar me informaram do azar do Jankauskas. Isso apenas me pôs mais nervoso, até porque todos sabemos da importância de um avançado centro no esquema do Mourinho, nomeadamente se as coisas se complicarem. Claro que a lesão do Costinha logo aos 6 minutos de jogo veio tornar ainda mais negro o panorama. E de repente, parecia que a sorte nada queria connosco. E como é a sorte importante no futebol...

Este foi um jogo que serviu também para me confirmar que o futebol tem mais a ver com sofrimento do que com qualquer outra coisa. Espectáculo ?! Divertimento?! Prazer?! Entretenimento?! O Carago! Para o adepto que ama a sua equipa, e particularmente num jogo destes, é puro sofrimento, medo de perder, receio que se esfume uma oportunidade destas! Sofrimento Puro! Foi assim o jogo todo. Desde o apito inicial até à explosão final.

Durante o jogo, e conforme este ia avançando, a tensão, a ansiedade, o nervosismo, chegaram a níveis tais que quase me apeteceu sair dali e fugir. Mas é também isso que faz do futebol magia pura. Este drama, este conflito, este constante oscilar entre felicidade e infelicidade, entre optimismo e pessimismo, entre satisfação e tristeza. Então neste jogo foi uma coisa por demais, devido às oscilações no marcador, aos golos deles a seguir aos nossos. Parecia que era de propósito.  

Mas voltemos ao início...do jogo. Conseguimos reagir bem aos azares Jankauskas  e Costinha, com um período de estudo mútuo inicial a pender depois para o Porto, que ganhou o controlo do jogo. Graças principalmente aos desequilibrios provocados pelo génio do Deco, é verdade, mas também alicerçado numa boa capacidade de circulação de bola e de jogo apoiado. Mais uma vez Mourinho super inteligente: se não temos cão (poder ofensivo na área) caçamos com vários gatos rápidos, fugindo ao jogo pelos extremos e apostando nas tabelas rápidas pelo meio. E nisso, o Derlei, o Aleni e o Capucho apoiaram bem o endiabrado Deco. Que pena aquela jogada de antologia acabar nas pernas do guarda-redes, depois do melhor que o Pelé partir três escoceses como só ele sabe.

Mas quando já pensava que aquele ia ser mesmo um dia de azar, após uma série de boas jogadas e oportunidades de golo, eis que surge o primeiro. Derlei, pois claro, oportuno como sempre. Parecia que a sorte tinha mudado, com este golo já nos descontos da primeira parte. Nada melhor: agora era jogar em contra-ataque e o onze em campo parecia perfeito para essa tática.

Enganei-me! Tal como sucederia mais uma vez para desespero da bancada sul, o Celtic mostrou grande capacidade de resposta e fez o golo do empate logo no reínicio. Isto depois da cena mais hilariante da noite, com aquele amigo nu a fazer várias figuras tristes pelo preço de uma só...

A verdade é que o Porto da segunda parte foi mais fraco: para tal ajudou também o jogo às vezes violento do Celtic, que estava decidido a parar os talentos do Porto a qualquer custo - uma das entradas ao Deco foi mesmo assassina. E no final ainda se queixaram do árbitro. Mas apesar de tudo há que admitir que dentro do seu jogo estereotipado o Celtic fez uma boa partida, superando mesmo algumas das suas óbvias limitações.

Após outro show Deco, completado com golo de classe do Aleni, e nova resposta escocesa muito consentida pela defesa do Porto. Aí as coisas pareceram ficar negras e quando vi o capitão sair, temi o pior. Nessa altura, pensei: porque raio é que eu sou adepto de futebol ? Como me permiti deixar-me apanhar por esta paixão ? Porque é que eu estou aqui a sofrer assim ? Sempre a sofrer. Imaginei como estaria a ser no Porto. Imaginei como seria perder. Imaginei como seria voltar, enfrentar tantos quilómetros com a sensação de perda. Tudo me passou pela cabeça. E o jogo quase a terminar...

Depois, o resto fica para a história. A minha e a de todos os portistas. O tempo regulamentar msmo no fim, o Aleni a poder matar o jogo no último remate, a ansiedade do golo de prata (ainda assim melhor do que o de ouro...Deve ter mudado por causa da crise internacional...), a expulsão do assassino celta (que teve papel fundamental nesta história feliz, não tenham dúvidas), a permanente tensão, o cansaço dentro e fora do campo, os cânticos deles e as palavras de ordem berradas por nós, e ...e...e...aquele golo louco, louco, do Ninja, do querido Ninja, numa altura em que já todos nos lembrávamos que os jogadores do Porto marcam pior os penalties do que eu e que o guarda-redes deles tem 1.92 cm de altura, por muito trengo que seja...

GOLO!!! Abracei-me a toda a gente que encontrei durante os saltos que executei (tipo Mourinho no fim do jogo), quase derrubei o velhote do lado (que estava com a mão no coração e muito vermelho) e chorei baixinho...só para mim. De mim para mim. A tensão era quase insuportável e...

E depois foi ainda pior. Aqueles 5 minutos que faltavam, e que se transformaram em 10 ou mais, foram talvez os mais penosos de que me lembro na minha vida. Tive que sair da cadeira e ir para as escadas, andar para cima e para baixo, acompanhado de mais algumas caras lívidas, contorcidas num esgar de sofrimento. Ajoelhei-me, saltei, chamei todos os insultos que conheço ao árbitro que não queria acabar com aquilo e até fiz uma coisa que nunca antes fizera no futebol: virei-me de costas no último livre contra o Porto. A sério: não vi sequer essa jogada decisiva. Ao que um gajo chega.

E, depois, acabou! O envolvimento  emocional fora tanto, a adrenalina chegara a tal ponto, que tive nitidamente uma descarga de energia e não consegui parar de gritar, em coro com aqueles 10 mil seres enlouquecidos, de saltar, de dançar. Isto enquanto os jogadores, treinadores, dirigentes, etc, faziam o mesmo. Não conseguia parar. E foi assim durante mais de 30 minutos. Até me faltarem as forças. Feliz, realizado, como tivesse jogado como aqueles 14 heróis.

A partir daqui, foi comemorar sem parar, embora um bocadinho mais devagar... Mesmo que as pernas quase desfalecessem, o corpo se queixasse, a cabeça latejasse. Mas a alegria era tanta que tudo parecia irrelevante. Ganháramos! Havia que festejar. Eu e o Nuno Olaio, grande companheiro de aventura, não fizemos por menos: fechamos todos os bares de Sevilha em que estivemos (também a oferta à semana não é muita...), fartamo-nos de beber à pala dos escoceses (que tiveram bastante fair-play...) e completamos 24 horas sem ir à cama. Dias destes há poucos!!!!!!!!!!!!!!